A polêmica do uso do WhatsApp pelos médicos

“O WhatsApp está para os smartphones do Brasil da mesma forma que a TV Globo está para os televisores”. A frase acima de Fernando Paiva, editor do Mobile Time, exprime a onipresença do aplicativo na vida contemporânea. 98% dos internautas brasileiros através de smartphones têm o WhatsApp instalado no seu aparelho. Além disso, 97% dos que possuem o app afirmam que o utilizam todos os dias ou quase todos os dias para enviar e receber mensagens. O aplicativo mais querido dos brasileiros é usado, principalmente, para envio de mensagens de texto (97%) e envio de imagens (87%). 79% compartilham mensagens de áudio e 76% o utilizam para enviar e receber vídeos. Além disso, 64% realizam chamadas de voz e 39% fazem videoconferências. Os números da pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion: “Mensageria no Brasil”, realizada em parceria pelo Opinion Box e pelo Mobile Time em fevereiro de 2016[1] concluiu que 69% dos brasileiros passam mais tempo no WhatsApp do que vendo TV, ouvindo rádio ou lendo jornais e revistas, ou seja, é inegável que o aplicativo WhatsApp revolucionou a forma das pessoas se comunicarem, tornando as conversas mais rápidas e dinâmicas. Na área da saúde, o reflexo fica evidente ao verificar pesquisa divulgada pela consultoria britânica Cello Health Insight[2] que revelou que 87% dos médicos brasileiros haviam utilizado o aplicativo nos trinta dias anteriores para se comunicar com seus pacientes. Dentre os relatos dos médicos, há a afirmação de melhora o atendimento dos pacientes com a utilização do aplicativo, eis que aos mesmos é possível monitorar os sintomas do paciente, bem como pós-operatório através de fotos, apenas para citar um exemplo. Mas, por experiência profissional, podemos dizer que é recorrente aos referidos profissionais as seguintes dúvidas: Mas o uso do Whatsapp entre médicos e pacientes é permitido? Há limites? Quais são os limites? Posso atender meus pacientes via WhatsApp, mesmo que para passar informações simples? Posso discutir casos clínicos via WhatsApp com os meus colegas de profissão? Inicialmente, para responder às questões, é necessário relembrar que a dinâmica das relações vem se transformando de maneira muito rápida, e infelizmente as regulamentações prescindem de análises mais exaurientes, melhores estudadas, fato que impede o acompanhamento imediato de regras para os contornos dados pela nova sistemática relacional. De qualquer modo, analisando a legislação atual extrai-se da Resolução nº 1958/2010 do Conselho Federal de Medicina o conceito dado às consultas, senão vejamos: “a consulta médica compreende a anamnese, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnosticas, solicitação de exames complementares, quando necessários, e prescrição terapêutica como ato médico completo e que pode ser concluído ou não em um único momento”. Doutra banda, o Código de Ética Médica diz, em seu artigo 37, ser proibido ao médico “prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento”. E por fim a Lei 12.842/2013, Lei do Ato Médico, em seu artigo 2º diz que o médico deve agir com o máximo de zelo. Portanto, dito isso, no caso hipotético de uma pessoa impossibilitada de se comunicar e se locomover até o médico, e um familiar se utiliza do aplicativo para conversar com o médico, as informações transmitidas podem sofrer alteração de cognição entre uma infinidade de características do receptor das mensagens, e as chances de prejudicar o paciente no caso acima são potencializadas. Não é por outro motivo que o Conselho Federal de Medicina editou a resolução 1974/2011 sobre publicidade médica. Nesta, veda ao médico “consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa ou à distância”. O objetivo dessa vedação é evitar que o profissional realize consultas à distância, pois no entendimento do CFM a consulta física é insubstituível. Contudo, o próprio Conselho informa que “o médico pode orientar por telefone pacientes que já conheça, aos quais já prestou atendimento presencial, para esclarecer dúvidas em relação a um medicamento prescrito, por exemplo.” E para delimitar melhor o assunto, invocamos o Parecer 12/2015 do Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará, onde se manifestou o seguinte entendimento: – Consulta por mídias sociais (WHATSAPP, e-mails, etc…) não constitui ato médico completo. – Se realizada a anamnese e o exame físico, a critério do médico e a partir de acordo prévio com o paciente/responsável, este poderá enviar resultados de exames ou novas informações por meio eletrônico. – Como não se trata de ato médico completo, o profissional não poderá receber remuneração por suas orientações/prescrições, se o fizer. Portanto, vê-se que a partir de acordo prévio entre o médico e o paciente/responsável, é possível troca de pequenas informações complementares pelo aplicativo, entretanto, imprescindível evidenciar que é uma conduta arriscada, haja vista que pode não ser caracterizado como um ato zeloso, pois algumas informações podem ser perdidas ou confundidas durante esta conversa à distância. Nesta mesma seara, importante destacar que a atividade médica prescinde de sigilo em relação às informações que envolvem a vida e a privacidade dos pacientes, e isso e jurado pelos médicos desde o século V a.C. (Juramento Hipocrático), que em uma parte assim dispõe: “Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto”. Aliás, referida obrigação está expressamente disposto no artigo 73 do Código de Ética Médica, sendo vedado ao médico: Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. A Constituição da Federal e o Código Penal também garantem a privacidade do indivíduo. As informações contidas em um prontuário médico devem ser guardadas de forma sigilosa. Atualmente, o WhatsApp elevou o grau de compartilhamento das informações, sendo praxe a discussão de casos clínicos pelo aplicativo, muitas vezes em grupos. Quando a identidade do paciente é preservada, dificilmente ter-se-á um desdobramento jurídico. Entretanto, é importante frisar que inexiste barreira para propagação da informação trocada pelo aplicativo, ou seja, após enviada não se consegue limitar a repetição da informação pelo receptor, até mesmo porque a mesma pode ser propagada por inúmeros outros meios disponíveis aos usuários da internet. Assim, em existindo a divulgação da identidade do paciente, ou mesmo sua caracterização, o profissional que compartilhou tais informações, ainda que no intuito de discutir o caso clínico em si, está assumindo um sério risco para a sua integridade profissional, podendo vir a responder de forma administrativa, criminal e/ou civil pela quebra do dever de sigilo. Para exemplificar a referida situação basta rememorar a ocorrência envolvendo D. Marisa Letícia Lula da Silva, onde uma médica divulgou em um grupo do WhatsApp informações médicas da paciente, alguém vazou a informação para outro grupo, e assim sucessivamente até alcançar o grande público
[3], inclusive por outros aplicativos. Neste caso, provavelmente a finalidade da profissional não tenha sido a de discutir o prognóstico da paciente, mas ilustra a impossibilidade de medição da proporção de propagação que poderá ocorrer após a informação ter sido encaminhada pelo aplicativo de mensagem instantânea. Deste modo, pensamos que aos médicos, estudantes e residentes de medicina, é de bom alvitre que utilizem do WhatsApp com a máxima restrição e atenção possíveis, cientificando aos pacientes/responsáveis, já na primeira consulta, se utiliza ou não esse meio de comunicação. Caso utilize, especificar as situações de uso de forma expressa, e por fim, lembrar-se sempre ser vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

 Referência: Dr. Fabrício de Carvalho Cleto – OAB/SP nº. 205.875 – Sócio da Boemer e Cleto Sociedade de Advogados. www.bbic.com.br – Membro do Conselho Consultivo da FAEPA – Imagem: web.whatsapp.com


[1] http://pesquisamensageria.instapage.com/ – Consulta efetuada no dia 24/04/2017, às 10h25 após efetivação do cadastro.