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Especialista em tratar pacientes em estado terminal, médico se torna 1° brasileiro premiado internacionalmente André Filipe Junqueira dos Santos se especializou em cuidados paliativos e atua na área desde 2011. Junto com sua equipe, ele cuida da qualidade de vida em pessoas com doenças potencialmente fatais.

 

André Filipe Junqueira dos Santos foi premiado por sociedade de oncologia nos Estados Unidos (Foto: LG Rodrigues / G1)André Filipe Junqueira dos Santos foi premiado por sociedade de oncologia nos Estados Unidos (Foto: LG Rodrigues / G1)

André Filipe Junqueira dos Santos foi premiado por sociedade de oncologia nos Estados Unidos (Foto: LG Rodrigues / G1)

Especialista em tratar de pacientes que já se encontram sem chances de se recuperar de uma doença grave, um médico de Ribeirão Preto (SP) recebeu a honraria máxima entre os profissionais da área ao se tornar o primeiro brasileiro a ganhar um prêmio da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, nos Estados Unidos. Muito mais do que estender a vida de seus pacientes, André Filipe Junqueira dos Santos diz que o cuidado paliativo é uma forma de tratar o psicológico daqueles que são obrigados a começar a lidar com a ideia da morte.

A vocação para a medicina surgiu pouco antes de André Filipe entrar na faculdade. Mesmo sem ter parentes na profissão ou ter sido influenciado por alguém, ele explica que sempre teve o desejo de ajudar o próximo e a medicina surgiu como algo óbvio em sua vida. Sua especialidade, entretanto, não é tão conhecida pelo grande público.

“Cuidado paliativo é uma abordagem de saúde que visa a melhora da qualidade de vida em pessoas com doenças potencialmente fatais. A gente está em uma clínica de oncologia, então muitas pessoas vêm tratar câncer aqui e algumas dessas pessoas mesmo com o melhor tratamento que a gente oferece não vão ter resposta e entram em um ciclo que virão a falecer”, explica

 

André e Cecília atendem seus pacientes sempre em equipe (Foto: LG Rodrigues / G1)André e Cecília atendem seus pacientes sempre em equipe (Foto: LG Rodrigues / G1)

André e Cecília atendem seus pacientes sempre em equipe (Foto: LG Rodrigues / G1)

Atuando sempre junto de outros três profissionais, as consultas são realizadas de maneira a reunir o paciente com um geriatra, um psicólogo, uma fisioterapeuta e uma nutricionista ao mesmo tempo. Ouvindo os relatos das pessoas, cada um dos médicos pode opinar sobre algo que seja de sua área sem que o paciente precise recorrer a outros consultórios.

“O que a gente faz é potencializar a qualidade de vida dessa pessoa. Esse é o nosso papel e o que a gente quer fazer? Às vezes você recebe diagnóstico de uma doença sem cura e aí dentro deste trajeto de vida sem cura, que às vezes pode ser questão de meses, mas às vezes questão de anos, a gente vai ter que trabalhar no aspecto de qualidade de vida porque você vai sofrer, às vezes vai ter sintomas, dor e estresse emocional. A gente não trata a doença, a gente trata o doente”, explica.

Muito mais do que lidar com enfermidades utilizando remédios, André explica que o cuidado paliativo utiliza mais o diálogo para tentar procurar nos pacientes aquilo que eles ainda buscam e nunca se deram conta. Um dos lemas do profissional é não procurar dar tempo à vida e sim procurar dar vida ao tempo.

“Acho que a maior questão, além da psicológica, é a questão ética porque nós, como profissionais da saúde, temos um conhecimento e precisamos usar esse conhecimento em prol dessa pessoa, mas aceitando o que essa pessoa traz pra gente. Não é uma via de mão única, é você chegar pra mim e dizer ‘eu não quero mais fazer isso’. E aí? Não posso falar pra você, ‘vai embora’. A gente tem que acolher a pessoa em todos os aspectos”.

 

André queria se tornar médicos e posteriormente decidiu fazer carreira com cuidados paliativos (Foto: LG Rodrigues / G1)André queria se tornar médicos e posteriormente decidiu fazer carreira com cuidados paliativos (Foto: LG Rodrigues / G1)

André queria se tornar médicos e posteriormente decidiu fazer carreira com cuidados paliativos (Foto: LG Rodrigues / G1)

O envolvimento na profissão acaba sendo impossível de se evitar, mas André afirma que não alteraria essa particularidade de maneira alguma porque acredita que ela seja fundamental para atender os pacientes. Apesar disso, ele confessa que tem mais qualidade de vida ao chegar em casa depois dos atendimentos conscientizado que fez um trabalho que está ajudando seus pacientes em um momento tão difícil.

“O cuidado paliativo entra em algo de forma muito tranquila, nada é de forma abrupta. Às vezes chega em um momento que perguntamos para a pessoa ‘você já pensou na sua morte?’ Às vezes a pessoa diz que sim, mas às vezes a pessoa fala que ainda não e a gente pergunta se acontecer, o que ela gostaria. Tem gente que não lida bem naquele momento e há pessoas que trazem o seu significado de vida mais pleno possível. Elas dizem que gostariam de fazer uma última viagem de cruzeiro ou gostariam de ser cremadas e a gente tem que resgatar todos esses valores”.

Para suportar a carga emocional excessiva, todos os médicos que são especializados em cuidados paliativos passam por um treinamento que engloba até mesmo a maneira mais adequada de comunicar más notícias. Apesar disso, André diz que muitos pacientes querem apenas ser ouvidos e muitas consultas se resumem a conversas que terminam em agradecimentos e até mesmo certo alívio de ambas as partes.

“Se envolver é parte da natureza humana, acho que só não vamos nos envolver no momento em que formos máquinas. Tem primeira consulta que a pessoa não quer se envolver, ela é muito fechada e tem pessoas que se abrem de uma maneira que a gente até fica estupefato e dizemos que a consulta foi ‘pesada’. A gente acaba se envolvendo. Quanto mais tempo de convivência, quanto mais a pessoa se abre, é natural. A gente sofre? Eu sofro, mas sofro de níveis diferentes. Tem pessoas com quem a gente não se abriu e a gente sofre porque a pessoa faleceu, mas há outros pacientes que a gente chora igual a um familiar”, diz. 

“Se envolver é parte da natureza humana, acho que só não vamos nos envolver no momento em que formos máquinas”, diz André. 

Dentre os casos mais emblemáticos lembrados pelo profissional está o de uma idosa que se recusou a aceitar qualquer tipo de tratamento após ter sido diagnosticada com câncer. André afirma que acompanhou toda a trajetória da mulher e até mesmo auxiliou seus parentes nos preparativos para as cerimônias no mesmo dia em que ela faleceu.

“Ela era muito espiritualizada, queria ser cremada e algo que eu nunca me esqueço foi que ela montou sua própria caixa de cremação. Ela montou a caixinha e deixou tudo pronto. No dia em que ela morreu eu estava presente e pra mim aquilo não foi uma morte, fiquei pensando em tudo isso e ela deixou dito que queria que as cinzas fossem jogadas no mar pra família. Conversamos com a morte e ela virou uma nova vida porque falamos sobre como ia ser o velório, sobre a praia em que eles iam, então não foi aquele fim de vida em que tudo se acabou, foi um momento em que a vida continuou. Até hoje me lembro”. 

Brasil 

André acredita que existe uma série de fatores para que os cuidados paliativos sejam ainda consideravelmente desconhecidos pelo grande público no Brasil. Entre falta de informações e leis criadas especificamente para a especialidade, ele ainda aponta o meio médico como um dos maiores problemas.

“O Brasil é extremamente carente de cuidado paliativo. Algumas áreas da medicina no Brasil, como saúde em geral, são de nível mundial, mas o paliativo somos muito defasados seja por falta de política pública, educação da sociedade, educação dos profissionais, então há trabalhos internacionais que mostram o Brasil quase no final. Existe até um trabalho que aponta que o Brasil é um dos piores lugares do mundo para morrer em suporte porque se você vai querer morrer de uma maneira digna às vezes a gente não consegue oferecer”, conta. 

Atualmente, André e seus colegas de trabalho atuam em unidades de saúde de Ribeirão Preto (Foto: LG Rodrigues / G1)Atualmente, André e seus colegas de trabalho atuam em unidades de saúde de Ribeirão Preto (Foto: LG Rodrigues / G1)

Atualmente, André e seus colegas de trabalho atuam em unidades de saúde de Ribeirão Preto (Foto: LG Rodrigues / G1)

Ele diz ainda que não existem nem ao menos mil médicos que tenham se especializado no assunto e afirma que chegou a hora de repensar o discurso de que o médico se forma apenas para curar e salvar vidas. André afirma existir uma resistência maior nesse sentido por profissionais mais antigos, embora os mais jovens já estejam encarando a função de médico por meio de outra ótica.

“Todo médico deveria aprender a lidar com a morte. A gente aprende a cuidar do nascer, mas não aprende a cuidar do morrer. 900 mil pessoas vão morrer de uma doença potencialmente elegível para receber cuidado paliativo e dessas 900 mil acho que a gente não consegue acolher nem ao menos 1%. O profissional de saúde ainda tem uma visão que somos treinados para curar. A gente é treinado para salvar vidas, que é fundamental, mas além de curar a gente tem que saber cuidar porque: E as vidas que não vão poder ser salvas?”, questiona. 

Prêmio 

André recebeu o IDEA-PC – International Development and Education Award in Palliative Care e participou de um congresso entre os dias 2 e 6 de junho em Chicago. Posteriormente, ele integrou uma equipe que fez um estágio de pesquisa na Universidade de Stanford, na Califórnia junto a outros profissionais de todo o mundo.

“Fiquei emocionado, muito feliz. A sociedade americana de oncologia é a principal sociedade médica de oncologia e eles têm um programa que incentiva os médicos de países em desenvolvimento a conhecerem os Estados Unidos nessa área. Esse prêmio já existe há seis anos e me inscrevi. Houve toda uma análise de currículo e é um reconhecimento que o Brasil está melhorando. Acho que é fruto de um trabalho que a gente está engatinhando”, diz.

Trabalhando na área desde 2011, o profissional afirma que pretende trazer para seus pacientes e colegas de trabalho toda a experiência que obtiver com os médicos estrangeiros. De acordo com ele, a premiação pode ser o começo de uma grande mudança para os cuidados paliativos no Brasil, mas diz que ainda é necessário conscientizar tanto médicos quanto pacientes.

“Os profissionais precisam reconhecer suas falhas e que a morte é algo que vai acontecer e a gente precisa lidar com isso. Precisamos estudar mais, aprender mais e estarmos mais abertos. A pessoa que está doente tem que se manifestar para seus entes queridos, seus amigos e dizer, ‘eu não sou um câncer’, sou uma pessoa de tantos anos e desejo isso. A partir disso, podemos mudar muita coisa”, conclui.

Referência: G1 Ribeirão e Franca – Por: LG Rodrigues – Foto: LG Rodrigues / G1