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Para aumentar o índice de doação de órgãos no interior de São Paulo e em todo o país, é preciso conversar com a família e deixar claro sua vontade de ser doador.

Doe órgãos, doe vida!

15 de setembro de 2017

Boa parte da população já ouviu falar sobre a doação de órgãos, porém, na maioria das vezes, esse é um tema discutido nos núcleos familiares apenas quando o ente querido acaba de falecer. Aproveitando a força do “Setembro Verde”, que é considerado o mês oficial da conscientização desse assunto, a Zumm Ribeirão resolveu apoiar essa causa tão nobre como uma forma de instigar o município e a região a colocarem em pauta o tema, sem medo ou preconceito.
Gustavo Ribeiro, Cirurgião do Aparelho Digestivo (CRM/SP 85333), trabalhou durante 10 anos como transplantador de fígado pela USP­­­–Ribeirão e revela que as pessoas, muitas vezes, negam a retirada dos órgãos de seus familiares porque ainda têm muita dificuldade de entender o que é um paciente em morte cerebral, já que é apenas nesse caso que alguns tipos de doações podem ser realizados. “Essa morte só consegue ser comprovada dentro de um hospital, por meio de vários exames. A morte cerebral é irreversível e, por isso, é tão importante que as pessoas entendam sobre o assunto, para que possam ter a clareza e a tranquilidade de permitir que aquele parente seja doador”, explica Ribeiro.
No Brasil, quem possui autoridade para permitir ou não a doação dos órgãos são os parentes mais próximos do falecido. “Quando esse assunto já foi discutido entre os familiares, pesquisas mostram que é muito mais fácil de realizar a abordagem na hora do luto. Agora, quando eles são pegos pela primeira vez, o índice de rejeição é muito maior. Por isso que as campanhas populacionais são tão importantes, pois instigam a conversa em casa e isso pode gerar doadores em potencial”, esclarece o ex-transplantista.


Gustavo Ribeiro, Cirurgião do Aparelho Digestivo e ex-transplantista (CRM/SP 85333) – Foto Zoro Seixas

Entenda a doação de órgãos
As OPOs (Organizações de Procura de Órgãos) são responsáveis pelo processo de doação e captação de órgãos e tecidos em todo o estado de São Paulo, sendo divididas em 10 regiões de atuação. Uma delas é a OPO do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que atua no processo de doação de órgãos na cidade de Ribeirão Preto, até um raio de 100km, envolvendo cidades como Franca, Araraquara, São Carlos, Barretos e Jaboticabal.
A OPO Ribeirão Preto atua 24 horas, todos os dias da semana. Assim, de segunda a sexta-feira, durante todo o ano, a equipe visita os hospitais da cidade para identificar possíveis doadores, geralmente internados nas UTIs e CTIs. Caso haja um ou mais pacientes que apresentam critérios de morte encefálica ou cerebral (como estamos mais acostumados a ouvir), o protocolo de morte encefálica é aberto pelo médico assistente, seguindo uma legislação própria para transplantes no Brasil. “Quando o protocolo é finalizado, chega a hora de conversar com os familiares para oferecer a oportunidade da doação. Somos capacitados para o acolhimento familiar, informando sobre todo o processo assim como sua importância, mas respeitando o luto daquele momento”, explica Judith Santos, Enfermeira-coordenadora da OPO de Ribeirão Preto.
Nos hospitais da região, a OPO conta com as Comissões Intra-hospitalares, constituídas por médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos, com treinamento específico. “A partir do momento em que a família assina o Termo de Consentimento, notifica-se a Central de Regional de Transplantes de Ribeirão Preto, passando as informações do doador, e a cirurgia é agendada”. explica o Dr. Jeová Rocha (CRM/SP 55852), urologista e responsável pela OPO. Com esses dados, como idade e tipo sanguíneo, a Central insere o doador em um programa eletrônico, gerando automaticamente uma lista de possíveis receptores, sejam eles de coração, fígado, pâncreas, pulmão, rim… Assim que a lista é concluída, os médicos de cada tipo de transplante são contatados para saber se aceitam, junto ao paciente, o órgão ofertado. Uma vez aceita a doação, inicia-se a cirurgia de remoção dos órgãos para posterior transplante.
A cirurgia sempre ocorre no hospital onde o doador se encontra. Em média, um único doador pode salvar oito vidas. “Infelizmente, ainda encontramos um índice muito alto de recusa pelos familiares. Isso ocorre, muitas vezes, por não saberem dos benefícios de uma doação ou por nunca terem conversado sobre esse assunto no ambiente familiar”, revela Judith.


Equipe da Organização de Procura de Órgãos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto: Célia Ignácio, Elaine Cantarella, Margarida Chiaretti, Dr. Jeová Rocha, Carla Alves, Judith Santos e Eliana Santos – Foto Zoro Seixas

Deixe claro que deseja doar
Mensalmente, a Central de Transplantes do Estado de São Paulo publica uma lista para as suas 10 OPOs com o número de doadores e não-doadores. De janeiro até o momento, a OPO de Ribeirão Preto notificou 147 potenciais doadores, sendo que 80 desses pacientes concluíram o diagnóstico de morte encefálica com condições para realizar a doação de órgãos e tecidos. Desse total, houve a recusa familiar de 35 possíveis doações. “Isso representa 44% de negativa. É um índice considerado elevado e que condiz com a realidade de todo o Brasil”, explica Judith. 
Analisando o interior de São Paulo (total de seis OPOs), houve 1.945 notificações de potenciais doadores. Desse total, 467 doações não foram autorizadas pelos familiares, o que corresponde a 39,7% de recusa. “No Brasil, nós temos apenas 16 doadores por um milhão de população ao ano, o que é considerado um número reduzido. Por isso, é muito importante que as pessoas conversem com seus parentes e deixem claro o seu desejo de ser doador. Dessa forma, no momento da decisão, a família se sente muito mais segura em autorizar, pois sabe que está cumprindo um desejo daquele ente querido”.

Doações de ossos e pele: não tão famosas, mas superimportantes!
Funcionando juntamente com a OPO de Ribeirão Preto, o Banco de Tecidos Humanos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto atua no setor de doação de pele e ossos. Carlos Corsi, técnico do local, explica que o osso humano é osteogênico, ou seja, auxilia no crescimento de um novo osso quando implantado, funcionando como um “fermento”. “Hoje, nossa maior dificuldade é a recusa, pois quando o familiar vai assinar o termo, encontra vários itens sobre para quais órgãos deseja autorizar a doação. Quando chega a escolha do osso, ele assusta e imagina que todos os ossos serão retirados ou que o corpo do seu ente querido será prejudicado visualmente de alguma forma, o que não é verdade”.
Para melhorar esse entendimento, assim como o índice de doações, a equipe do Banco de Tecidos começou a trabalhar lado a lado com a OPO no momento de conversar com as famílias. “Os ossos retirados são os das pernas (fêmur, fíbula e tíbia) e eles são substituídos por próteses de madeira articuladas. Os cortes para a remoção são feitos em locais não visíveis e todos os cuidados são tomados para que o corpo seja entregue de volta à família de forma íntegra, respeitando ao máximo o doador e os materiais coletados”, ressalta o técnico.
O processo de retirada da pele segue a mesma discrição, sendo realizado nas costas e coxas. “No caso de grandes queimaduras, por exemplo, essa pele funciona como um curativo biológico, implantada no receptor para tampar e impedir infecções generalizadas ou que líquidos importantes para o organismo vazem”.


Equipe do Banco de Tecidos Humanos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto: Danilo Sanchez, Katia Gabriel, Carlos Corsi e Thaís Vendruscolo – Foto Zoro Seixas

O técnico ainda explica que essa pele não permanece no corpo do receptor, pois é retirada depois de duas semanas da cirurgia. “O próprio organismo começa a expulsar essa pele que não é dele e cria uma segunda por baixo, uma fibrina, que mais para frente vai virar uma pele mais fina e rosada. Esse processo evita aquela cicatriz feia, enrugada, que estamos acostumados a ver após queimaduras graves, as quais muitas vezes são tão grossas que impedem até certos movimentos dos pacientes”, esclarece Corsi.

Onde consta que sou doador?
Mesmo sem validade há 16 anos, muitas pessoas acreditam ser necessário constar na carteira de identidade o fato de serem ou não doadores. Isso gerou um grande número de ‘não doadores’, impedindo a autorização dos familiares.
A fase que obrigava as pessoas a colocarem na carteira de identidade sobre sua vontade de doação foi de 1997 a 2001. Atualmente, a OPO está trabalhando em uma ideia que validaria o “sim” na identidade; porém, não seria inserido o “não”, deixando a opção em aberto caso a opinião do possível doador ou da família mudasse com o tempo. Por enquanto, esse tipo de informação é apenas um projeto. O importante é conversar em vida com amigos e familiares para que nenhuma dúvida surja no momento da doação.

Presenteie com vida: seja doador de órgãos!
Em 2009, entre um grupo de alunos de enfermagem da USP–Ribeirão, surgiu a ideia de criar uma liga que intensificasse o assunto “doação de órgãos e tecidos” tanto na faculdade quanto na comunidade. “Motivadas pela experiência prévia de ter trabalhado na área dos transplantes, junto com dois colegas de profissão e alguns alunos, fundamos a Liga de Transplantes de Órgãos e Tecidos da Escola de Enfermagem”, conta a enfermeira Karina Mendes.
Logo no começo, a liga buscou a parceria da OPO de Ribeirão Preto, a qual se intensifica no mês de setembro, que é conhecido nacionalmente como “Setembro Verde”, voltado para campanhas que abordam vários ângulos da doação de órgãos. “Na USP–RP, realizamos um trabalho específico com os alunos que mostram interesse pela área de transplantes. Então no primeiro semestre, estudamos o processo de doação, ou seja, o que é a morte encefálica, quem é o doador, até chegar na doação em si. No segundo semestre, trabalhamos todos os tipos de transplantes. Finalizamos com as opções de mercado, como a residência em transplantes”, explica Karina.


Parte dos Membros da Liga de Transplantes de Órgãos e Tecidos da Escola de Enfermagem: Karina Mendes, Giovana Pagotto, Carlos Corsi, Carolline Rangel, João Victorino e Lívia Garbin – Foto Zoro Seixas

Segundo a enfermeira, infelizmente, ainda existe um grande tabu em relação ao assunto “morte” e as famílias não têm o costume de conversar sobre o desejo de ser doador de órgãos e tecidos, principalmente com as crianças. “Precisamos quebrar essa barreira. Na Espanha, país que insere esse assunto na educação infantil das escolas, o índice de doações a cada 1 milhão de habitantes é de 43,4. Muito maior que no Brasil, que atualmente é de 16,2!”.

Referência: Revista Zumm Ribeirão – Foto: Zoro Seixas – http://zummribeirao.com.br/destaque/doe-orgaos-doe-vida/