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Professor da FMRP-USP participa de projeto de reconstrução da face de São Vicente de Paulo

O mais caridoso santo católico terá sua face reconstruída pela ciência.

Fotografias do crânio feitas na década de 60 estão sendo utilizadas para reconstrução facial.

Um homem que surpreendeu muitos, tanto em vida como depois da morte. Considerado santo e patrono de todas as obras de caridade da igreja católica, São Vicente de Paulo provocará a inquietude no pensamento das pessoas, mesmo passados 356 anos da sua morte.

Não será, nem de perto, o crânio mais antigo que terá a face reconstruída pelo designer 3D de Sinop, Cícero Moraes. Mas será a primeira vez que a tecnologia “fresca”, aplicada à reconstrução, tomará como base a “tecnologia” da década de 60.

A face de São Vicente de Paulo será reconstruída a partir das fotografias registradas do crânio do santo, em 1960, no último reconhecimento da relíquia feito pela Igreja. São imagens obtidas com os velhos negativos, ainda em preto e branco. Oito fotos despretensiosas, com ângulos diferentes, gerarão informações suficientes para reconstruir o rosto que São Vicente tinha em vida.

As fotos estavam sob responsabilidade da DePaul University, em Chicago, Estados Unidos. Elas foram feitas durante as comemorações dos 300 anos da morte de São Vicente, quando seu relicário foi aberto pela última vez. O corpo estava envolvido em tecidos, bem como o crânio, que foi cuidadosamente retirado e fotografado. Esses ossos hoje repousam dentro da imagem de cera que reproduz o corpo do santo, exposta à visitação pública na Capela de São Vicente de Paula, em Paris, na França.

A reconstrução do rosto foi intermediada pelo pesquisador e escritor cearense, José Luís Lira, membro da Abrhagi (Academia Brasileira de Hagiologia). Ele trabalhou em conjunto com Cícero na reconstrução da face de Maria Madalena e da Madre Paulina, ambas já apresentadas. Conhecedor das relíquias existentes e suas hospedagens, Lira entrou em contato com o padre Gregory George Gay, Superior Geral da Congregação da Missão, os Lazaristas (CM), que está em Roma. A resposta veio do Secretário Geral da Congregação, padre Giuseppe Turati. “Ele dizia que falava de ordem do Padre Geral e que antes tinha ouvido o Postulador Geral e nos indicou que a autorização para uso das imagens eram da Universidade (da Congregação) que as detinha. O amigo Cícero Moraes descobriu os contatos da Universidade e veio a resposta do ex-Reitor da DePaul University, de Chicago, e grande investigador sobre São Vicente, P. John E Rybolt, dando a autorização de uso das imagens e dizendo-se interessado em reconhecer o resultado final”, explicou Lira.

Com o aval da Igreja e dos detentores das fotografias, iniciou o trabalho de campo. Para que a reconstrução tivesse validade científica, as fotografias foram enviadas para 8 diferentes especialistas para que fizessem a identificação do sexo, ancestralidade e idade do crânio em questão – parâmetros utilizados para a reconstrução.

As fotos do crânio foram analisadas pelos especialistas  Paulo Miamoto (Doutor em Odontologia Legal pela Faculdade de Odontologia da USP), Marco Aurelio Guimarães (USP – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Medicina Legal); Rodrigo Dornelles (Cirurgião Plástico com área de atuação em Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial, de Porto Alegre), Marcos Paulo Salles Machado (chefe do Serviço de Antropologia Forense do IML Rio de Janeiro), Everton da Rosa (Especialista , Mestre e Doutor em Cirurgia Bucomaxilofacial, Brasília), Paulo Henrique Bueno (especialista em Ortodontia e Ortopedia Funcional pela Universidade Federal de Uberlandia), Rodrigo Dornelles (Cirurgião Plástico especialista em Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial, Rio Grande do Sul), Ricardo Henrique Alves da Silva (USP – Faculdade de Odontologia de Ribeirão) e Thiago Beaini (Doutor em Odontologia Legal pela Faculdade de Odontologia da USP). Essa “junta médica” conseguiu levantar as informações de como era a face que recobria aquele crânio em vida. É essa base que está sendo utilizada por Cícero para reconstruir o rosto de São Vicente. “O mais extraordinário foi atestar que é possível fazer uma análise de ancestralidade, sexo e idade de um crânio bastante antigo a partir de fotos feitas na década de 60. O consenso das informações geradas, vindas de diferentes especialistas, comprova a credibilidade da análise”, ressaltou Cícero.

A reconstrução deve ser concluída nos próximos meses. Lira e Cícero ainda definirão uma data para a apresentação da face de São Vicente de Paulo. Então será possível comparar com a imagem de cera que hoje recobre os restos mortais do mais caridoso dos santos.

 A história registrada de São Vicente de Paulo é, por si só, uma lição de vida, fé, perseverança e fibra moral. O santo viveu como poucos, morreu como um líder e mesmo após a sua morte surpreendeu o mundo.

São Vicente nasceu nasceu na uma terça-feira de Páscoa, de 1581, em uma aldeia no sul da França. Era o terceiro filho de um casal de camponeses profundamente católicos. Desde cedo destacou-se pela notável inteligência e devoção. Ainda jovem tornou-se professor, o que possibilitou-lhe concluir os estudos de teologia na Universidade de Toulouse. Foi ordenado sacerdote, aos 19 anos de idade, no ano de 1600.

No início da trajetória litúrgica de São Vicente, uma viúva, que gostava de ouvir as suas pregações, ciente de que ele era pobre, deixou para o jovem padre sua herança: uma pequena propriedade e dinheiro, que estava com um comerciante em Marselha.

Quando voltava dessa viagem a Marselha, em 1605, o navio em que São Vicente estava foi atacado por piratas turcos. Ele sobreviveu, mas foi feito prisioneiro. Vicente foi vendido como escravo para um pescador, depois para um químico. Com a morte deste, foi herdado pelo sobrinho do químico, que o vendeu para um fazendeiro, um renegado, que antes era católico e, com medo da escravidão, adotara a religião muçulmana. Em dado momento esse fazendeiro se arrependeu da conversão e propôs para Vicente uma fuga para a França, que só se realizou dez meses depois, em 1607.

Eles atravessaram o Mar Mediterrâneo em uma pequena embarcação e conseguiram chegar à costa francesa. Vicente voltou à condição de padre, vivendo com o Vice-Legado do Papa e seu antigo “dono” então renegado. Durante uma jornada em Roma, Vicente se formou em Direito Canônico e o renegado foi admitido em um mosteiro, onde se tornou monge.

O Papa precisou mandar um documento sigiloso para o Rei Henrique IV da França e Vicente foi escolhido como fiel depositário. Devido a sua presteza, o Rei o nomeou Capelão da Rainha Margot. Vicente era encarregado da distribuição de esmolas aos pobres e fazia visitas aos enfermos no hospital de caridade em nome da rainha.

Vicente fundou a Confraria do Rosário e todos os dias visitava os doentes. Durante muito tempo lutou por mais dignidade para os prisioneiros feitos pela Marinha Francesa, que viviam em condições sub-humanas. Ele chegou até a assumir o lugar de um dos presos para conseguir libertá-lo.

Sua piedade heróica conferiu-lhe o cargo de Capelão Geral e Real da França. Vendo o abandono espiritual dos camponeses, fundou a Congregação da Missão, que são os Padres Lazaristas, para evangelização do “pobre povo do interior”.

Acolhia os pobres e aos ricos. Em 1643, Vicente assistiu o Rei Luís XIII em seu leito de morte, a pedido do monarca. Num apelo que o padre Vicente fez durante um sermão nasceu o movimento das Senhoras Damas da Caridade (Confraria da Caridade). Foi também ele o responsável pela organização de retiros espirituais para leigos e sacerdotes, através das famosas conferências das terças-feiras (Confraria de Caridade para homens).

Vicente de Paulo foi o criador de muitas obras de amor e caridade. Sua vida é uma história de doação aos irmãos pobres e de amor a Deus. Em vida São Vicente de Paulo foi um pai dos Pobres e um reformador do clero. Ele faleceu em 27 de setembro de 1660 e foi sepultado na capela-mãe da Igreja de São Lázaro, em Paris.

Mas não parou de surpreender. Segundo Lira, que estudou a história do Santo, em 1720, durante o processo de beatificação de São Vicente, seu túmulo foi exumado. Mesmo passados 60 anos da sua morte, o corpo estava incorrupto. Haviam sinais de deterioração apenas no nariz e nos olhos. Os médicos do Vaticano atestaram que esta preservação não poderia ocorrer por meios naturais.

Cerca de 20 anos mais tarde, na canonização em 1737, o corpo já estava em estado de decomposição devido a inúmeras inundações no terreno. Mas a história não acaba ai. Segundo Lira, na segunda exumação os restos mortais do santo foram transferidos para uma urna de prata, onde foram veneradas até 1792. Durante a Revolução Francesa, quando os Padres foram expulsos do convento então chamado de São Lázaro, a urna foi confiscada e depositada entre os Bens Nacionais. “O corpo tinha sido escondido no porão da casa de um alto funcionário da Congregação e ali ficou até 1806, até passada a agitação revolucionária”, conta Lira.

Quando tudo voltou ao normal os ossos de São Vicente retornaram à capela em Paris que leva seu nome, guardados em uma esfinge de cera que reproduz imagem do santo. Agora, Vicente adiciona mais um parágrafo a sua biografia, mostrando seu verdadeiro rosto depois de 3 séculos e meio da sua morte.

Referência: GC Notícias – Por: Jamerson Miléski – Imagem: São Vicente: vida e morte intensa