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Surto de febre amarela há 121 anos em SP levou sanitarista ao Aedes aegypti Epidemias entre 1896 e 1903 mataram quase 30 mil na região de São Simão. No interior, Emílio Ribas identificou que mosquito era transmissor da doença

Gabriela Castilho – Do G1 Ribeirão e Franca

 confirmação de 101 casos e 47 mortes por febre amarela no país – o maior surto da doença desde 1980, quando os dados começaram a ser reunidos pelo Ministério da Saúde – coloca as autoridades em alerta e leva moradores aos postos de saúde em busca de imunização.

Uma conscientização que não existia em meados do século 19, quando São Simão (SP), uma das vilas mais importantes no interior de São Paulo, quase foi dizimada após três epidemias consecutivas da doença. Entre 1896 e 1903, historiadores estimam 30 mil mortes na região.

O prefeito quis colocar panos quentes quando o Estado o procurou querendo saber sobre os boatos de epidemia que corriam pelos municípios. Ele acreditava que daria conta de sanar o problema sem ajuda. Mas, foi provado que não”
Fernanda Pialarice, historiadora

Foi nessa época e local que o médico sanitarista Emílio Ribas, fundador do Instituto Butantan, descobriu que a transmissão da febre amarela urbana ocorria através do Aedes aegypti, o mosquito que o Brasil ainda tenta eliminar, 121 anos depois.

A primeira epidemia
O historiador Fausto Pires de Oliveira relata no livro ‘Elementos para a História de São Simão’ que a febre amarela chegou ao interior de São Paulo pelas estradas de ferro, levada por fluminenses e mineiros, que fugiam de seus estados ameaçados pela doença.

Ainda em 1895, o governo enviou um comunicado à cidade, informando sobre a epidemia em outras regiões e orientando que carros e bagagens de viajantes fossem desinfetados. No ano seguinte, apesar da orientação, São Simão registrou os primeiros casos da doença.

“O prefeito quis colocar panos quentes quando o Estado o procurou querendo saber sobre os boatos de epidemia que corriam pelos municípios. Ele acreditava que daria conta de sanar o problema sem ajuda. Mas, foi provado que não”, diz a historiadora Fernanda Pialarice.

Fotografia mostra São Simão em meados do século XIX (Foto: Reprodução/ETPV)
Fotografia mostra São Simão em meados do século 19 (Foto: Reprodução/ETPV)

O governo paulista chegou a nomear um grupo de sanitaristas para viajar a São Simão e tomar medidas urgentes, mas a Câmara Municipal negou o auxílio, alegando que possuía serviço sanitário próprio e que a interferência feria sua autonomia.

“O cemitério estava quase lotado e ninguém sabia como a doença se propagava. Uns diziam que era por contágio direto, enquanto outros que era pelo ar. Então, a prefeitura construiu o cemitério de Bento Quirino, a cinco quilômetros da cidade”, conta Fernanda.

São Simão também não tinha hospital com setor de isolamento e a Câmara decidiu então construir uma unidade ao lado do novo cemitério. Logo depois, porém, a Diretoria de Higiene do Estado exigiu que o local fosse demolido por falta de condições adequadas de uso.

Em 1897, a estimativa era de que as mortes por febre amarela chegavam a 800. Famílias inteiras fugiam de São Simão com medo da moléstia desconhecida e a população de 4 mil habitantes foi reduzida a 2,5 mil, como consta em edição do jornal “O Estado de São Paulo”, publicada em 8 de maio daquele ano.

No Cemitério de Bento Quirino, vítimas de febre amarela eram enterradas em covas coletivas (Foto: Reprodução/EPTV)
No Cemitério de Bento Quirino, vítimas de febre amarela eram enterradas em covas coletivas no século 19 (Foto: Reprodução/EPTV)

Novos casos
A situação parecia controlada, quando, no ano seguinte, novas mortes por febre amarela voltaram a ser registradas. Não há dados oficiais sobre essa epidemia, apenas que foi mais branda que a anterior.

“Ainda acreditava-se que a doença era contagiosa e transmitida por contato. Eles passavam cal nos trens, porque achavam que era um meio de higienizar. Antes de descer do trem, as pessoas tinham que pisar nesse cal”, relata a historiadora.

Quatro anos depois, em 1902, a situação saiu novamente do controle e o governo paulista voltou a procurar a Prefeitura de São Simão. Mesmo diante da nova recusa de auxílio, o Serviço Sanitário Estadual enviou Emílio Ribas ao município.

Prédio ocupa lugar de antigo hotel onde o cientista ficou hospedado e fez experiências em São Simão (Foto: Reprodução/ETPV)
Prédio do antigo hotel onde Emílio Ribas (foto) ficou hospedado em São Simão (Foto: Reprodução/ETPV)

Fernanda conta que o sanitarista já sabia que a doença não era contagiosa, mas a população ainda negava a descoberta. Foi então que Ribas protagonizou uma cena que se tornou famosa no meio científico: colocou o dedo nas secreções de um paciente com febre amarela e o levou à boca.

A passagem também é relatada em uma pesquisa do infectologista da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto (SP), Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, explicando que a intenção de Ribas, com aquela atitude, era convencer as pessoas de que o contágio não se dava por contato.

Mosquito Aedes aegypti é alvo de campanha em todo país para combater dengue, chikungunya e zika (Foto: Paulo Whitaker/Reuters)
Mosquito Aedes aegypti é transmissor da febre amarela (Foto: Paulo Whitaker/Reuters)

O Aedes aegypti
Ainda segundo o pesquisador da USP, Ribas já estudava a relação entre a febre amarela e o Aedes aegypti – um amigo havia levado para São Paulo larvas do mosquito coletadas em São Simão. O sanitarista colocou então voluntários em um quarto de hotel infestado por Aedes.

Desta forma, conseguiu comprovar que “a febre amarela era transmitida pelo pernilongo que picava um doente e depois picava um são. Que esses mosquitos se proliferavam em águas paradas e que o meio de debelar a doença era combater os mosquitos”, consta na pesquisa.

Quando as pessoas começaram a morrer de febre amarela, os produtores passaram a transferir a sede das fazendas para Ribeirão Preto. Essa cidade, que era distrito, deslanchou (…)”
Dirceu Carvalho, historiador

A partir das experiências feitas por Ribas no interior de São Paulo, Oswaldo Cruz conseguiu acabar com a epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro, em 1904, um ano depois que a doença já havia sido extinta em São Simão, por meio do combate ao Aedes.

Solo fértil para culturas de cana-de-açúcar e café, o município no interior paulista ainda era uma vila em pleno crescimento quando foi atingido pela febre amarela. A dificuldade em exterminar a moléstia fez com que passasse a ser encarado como um local insalubre pelos potenciais imigrantes.

“Quando as pessoas começaram a morrer de febre amarela, os produtores passaram a transferir a sede das fazendas para Ribeirão Preto. Essa cidade, que era distrito, deslanchou, enquanto São Simão acabou ficando como está até hoje: uma cidade pequena”, diz o historiador Dirceu Carvalho, presidente do Museu Simonense Alaor da Mata.

Igreja matriz de São Simão nos dias atuais (Foto: Reprodução/EPTV)
Igreja matriz de São Simão nos dias atuais (Foto: Reprodução/EPTV)