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Vivência no HC faz funcionários sentirem na pele as limitações que as pessoas enfrentam com o avanço da idade

Um experimento do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto tem feito os funcionários sentirem na pele as limitações enfrentadas pelos idosos no dia a dia pelas perdas da mobilidade, visão, audição e do paladar.

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“O objetivo é sensibilizar para a importância do cuidado com o idoso e, além disso, passar a ideia de que, se cuidando hoje, as pessoas podem se tornar idosos mais ativos”, diz o geriatra do HC, Paulo Formighieri.

O médico diz que, até o final da próxima semana, 400 servidores de todos os setores do hospital devem passar pela experiência.

A iniciativa faz parte das ações que o hospital promove para obter o Selo Amigo do Idoso, uma certificação do governo do Estado que reconhece as práticas dos hospitais com foco na melhoria do atendimento a esse público.

A encarregada do setor de agendamento do HC, Márcia Eliza de Souza, 48, se surpreendeu ao descobrir a perda do paladar com o passar da idade. “Não imaginava que ele não sente direito o sabor do que está comendo. Se ele colocar mais sal então, nem vai sentir e pode fazer mal”, diz.

Na pele

Jornal A Cidade foi convidado, topou o desafio de ser idoso por um dia e descreve a seguir cada uma das experiência. Seguindo as tendências nacional e estadual, em Ribeirão Preto os idosos ganham cada vez mais representatividade junto à população em geral.

Nos últimos 36 anos, entre 1980 e 2016, a proporção de idosos entre o total da população de Ribeirão dobrou – subiu de 7,24% (22,9 mil) para 14,5% (94,9 mil).

1ª certificação em 2015

A primeira certificação do Hospital das Clínicas com o Selo Amigo do Idoso saiu em 2015. Em 2014, a instituição obteve o selo inicial após uma série de ações, como o diagnóstico dos idosos que frequentam o hospital e campanhas de sensibilização sobre os cuidados. Agora, o hospital se prepara para obter a certificação intermediária, que tem como focos a qualificação profissional e as mudanças estruturais, como a melhoria da acessibilidade. Por fim, a sedimentação da qualificação dos processos dará direito ao selo pleno. “Esperamos que o selo pleno seja obtido em 2020. Isso significa uma qualificação diferenciada, melhorando o atendimento ao público”, diz o geriatra Paulo Formighieri.

Milena Aurea / A Cidade

Audição

Perda auditiva tem efeito progressivo 
O nome é um palavrão – presbiacusia, ou perda auditiva relacionada à idade. Quando entrei no estúdio, fui submetido a um teste que simula o chamado eletrônico para a consulta. O som é exatamente na mesma altura em que ocorre no Hospital das Clínicas, em meio ao barulho do ambiente. Da primeira vez em que fui chamado, ainda estava com os óculos que simulam a perda da visão (como mostra a foto acima). Daí, não consegui identificar que era o meu nome. Na hora surgiu um sentimento de impotência. Depois que retirei os óculos e já conseguia ver direito, a gravação foi repetida. Daí pude ouvir, mas com dificuldade, uma parte do meu nome, mas não completo. Segundo a literatura médica, a redução da audição é progressiva com o avançar da idade. Na faixa entre 65 e74 anos, a perda fica em torno de 30%. Acima dos 75 anos, no entanto, pode chegar a 50%, índice crescente com o decorrer da idade.

Visão
Efeitos das doenças

Em outra sala, descubro quais os efeitos da perda da visão ocasionada pela retinopatia diabética, glaucoma, catarata e pela DMRI (Degeneração Macular Relacionada à Idade). Primeiro, a imagem embaçada e com pintas pretas das complicações do diabetes e o dado alarmante – 50% dos diabéticos têm 30 vezes mais chance de ficar cegos em comparação a quem não tem a doença. Depois, veio a sensação como se uma cortina fechasse, tirando a visão das extremidades. É o glaucoma, que afeta até 7% dos idosos com mais de 70 anos. A visão embaçada da catarata também foi sentida por mim – e é realidade para mais de 70% entre idosos com mais de 75 anos. Por fim, a mancha preta na imagem motivada pela DMRI, que acomete mais de 3 milhões de idosos no Brasil.

Paladar
Parece água com gelatina

A vivência mais visceral de todas foi quando entrei na sala para experimentar o paladar sentido pelos idosos. Diferentemente de ter visto em painéis as imagens de como é a visão deles com determinada doença, agora era 100% real. Primeiro tomei uma água com textura de gelatina. “É água com espessante colocado para facilitar a deglutição, daí o idoso não aspira e evita pneumonia”, me ensina a terapeuta ocupacional Kelsilene Prado. O suco de frutas vermelhas tinha gosto de água com corante e o café estava amarguíssimo (eca!). “Com o passar da idade o paladar se perde, o doce fica mais amargo e o salgado, mais insosso. Uma das dicas é deixar o visual da comida mais atrativo”, conclui a terapeuta.

Locomoção
Quando caminhar não é nada fácil

A minha primeira experiência ao entrar nas salas de experimentos foi caminhar com um óculos que simula a perda da visão periférica, mais uma consequência da idade avançada. Para conseguir andar de maneira razoável, foi necessário fixar meus olhos nos pés com muita atenção para não cair durante a marcha. Eva Santos, 47, oficial administrativo do Hospital das Clínicas, que também participou ontem da experiência, compartilhou do mesmo sentimento. Ela me disse que, de todas as experiências que passou, essa foi a pior, pois deu realmente medo de cair. Eva saiu de lá com uma lição que também trago comigo. “É uma mostra de que devemos ter mais paciência e atenção com os idosos”, disse ela.

‘É de café? Que gostoso!’
Uma das histórias mais pitorescas que ouvi ontem foi a contada pelo oficial administrativo Marcelo Faccio. Ele sabia que a avó dele não gostava de chocolate, mas, em compensação, ela adorava maria-mole. Um dia, cansado de comprar marias-moles tradicionais, ele quis inovar e arriscou comprar uma com sabor de chocolate – tinha quase certeza de que desagradaria, mas foi em frente e serviu. Vai quê, né? Quando provou, Marcelo disse que a avó, na época com quase 80 anos, bradou: “É de café? Que gostoso!”. “Além dessa história do chocolate, ela achava que a sopa de legumes estava adocicada”. Moral da história: nem sempre o que parece é.

Análise
Respeito e inconformismo

“Existem duas regras gerais para lidar melhor com o idoso. A primeira é respeitar, ou seja, acreditar que ele está realmente com determinada dificuldade, aceitando o relato como algo verdadeiro.

A segunda regra é não se conformar com essa situação, sendo necessárias pequenas intervenções para melhorar a qualidade de vida. O idoso tem desconforto em tantas dimensões que uma pequena melhora já significa muito para ele. A dificuldade de deglutir, por exemplo, pode ser combatida com o uso de espessantes, que dão uma consistência melhor às bebidas e aos alimentos.

Pequenas correções farmacológicas podem evitar a incontinência urinária, por outro lado. Muitos pensam, por exemplo, que não se deve nem ligar o ventilador para refrescar o idoso, mas eventualmente pode se usar até o ar-condicionado. Viver ativamente, sem beber e sem fumar já pode evitar dezenas de problemas vasculares e oncológicos, além de prevenir obesidade e diabetes no futuro. Há, porém, mutações genéticas que levam principalmente a doenças degenerativas e que não se pode prevenir”.

Por: Carlos Rodrigues da Silva Filho – Geriatra e Clínico Geral

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 Referência: ACidadeON / Ribeirão – Por: Lucas Catanho – Fotos: Milena Aurea / A Cidade