Mutações no DNA mitocondrial estão ligadas ao câncer de pênis
Estudo sugere a existência de mutações no genoma das mitocôndrias que podem favorecer a progressão do tumor peniano.
Um estudo publicado por pesquisadores brasileiros na revista Molecular Biology Reports sugere a existência de mutações no genoma mitocondrial que podem favorecer a progressão do tumor peniano.
O câncer de pênis é um tumor raro nos países desenvolvidos, representando cerca de 0,4% das neoplasias malignas em homens, na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil a incidência é bem maior. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), esse tipo de tumor corresponde a 2% de todos os casos de câncer que atingem o homem.
“É a primeira vez que se estuda o genoma mitocondrial para verificar alterações que possam estar relacionadas ao tumor peniano”, disse Wilson Araújo da Silva Junior, professor na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e um dos autores principais do trabalho, que foi conduzido no âmbito do Centro de Terapia Celular (CTC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela Fapesp.
O tipo mais frequente do câncer de pênis é o carcinoma epidermoide, também denominado espinocelular ou escamoso, que representa 95% dos tumores malignos do pênis. Apesar de o câncer peniano ser uma doença com alto potencial de cura se identificada em estágios mais precoces, a demora no diagnóstico e na procura por tratamento específico é observada em mais de 50% dos casos.
O câncer peniano apresenta maior incidência em homens que vivem em regiões rurais e com idades a partir dos 50 anos, embora possa atingir os mais jovens. Está relacionado a baixas condições socioeconômicas e de instrução. A doença é causada principalmente pela falta de higiene íntima e tem forte prevalência em homens com fimose.
“Quem se submete à cirurgia de fimose tem menores chances de desenvolver a doença”, disse Rodolfo Borges dos Reis, professor na FMRP e o autor principal do estudo.
O câncer de pênis inicialmente não apresenta sintomas, mas tem como causa principal o acúmulo de secreções na glande. Essa “sujeira” pode evoluir para uma lesão tumoral com possibilidade de progredir localmente ou a distância.
Em muitos casos, os doentes procuram ajuda quando o pênis já está muito acometido, muitas vezes com a lesão já infectada e invadindo as estruturas penianas. Infelizmente, nesse estágio, a terapia sistêmica é pouca efetiva. Desse modo, a cirurgia, amputação parcial ou total do órgão, ainda é o principal método terapêutico. Segundo o Departamento de Informática do SUS (Datasus), são realizadas cerca de mil amputações penianas ao ano no Brasil.
DNA mitocondrial
Mitocôndrias são organelas que existem nas células eucarióticas, que têm como função realizar as reações de conversão de energia para as células. Estima-se que as mitocôndrias se originaram há mais de 2 bilhões de anos, quando alguns microrganismos desenvolveram uma simbiose com bactérias invasoras.
Em troca do fornecimento constante de alimento, aquelas antigas bactérias teriam passado a viver no interior das primeiras células eucarióticas, fornecendo energia. Com o passar das gerações, os descendentes daquelas bactérias invasoras se tornaram organelas celulares, ou seja, as mitocôndrias.
Por descenderem de uma bactéria ancestral, as mitocôndrias possuem uma particularidade: elas preservam em seu interior vestígios da bactéria independente que foram um dia.
O principal vestígio é o DNA mitocondrial, um tipo de genoma com cerca de 16,5 mil pares de bases que é particular às mitocôndrias – e que não se confunde com o genoma nuclear, que é constituído de 23 pares de cromossomos herdados dos parentais e, no caso dos humanos, possui cerca de 3 bilhões de bases.
A principal função da mitocôndria é fornecer a maior parte da energia útil das células, por meio do processo chamado de respiração celular. Em uma única célula humana, por exemplo, há cerca de 10 mil mitocôndrias, cada uma delas contendo milhares de cópias do DNA mitocondrial.
“A característica principal que define as células tumorais é o seu crescimento e multiplicação descontrolados, formando tumores. Para crescer, os tumores precisam de muita energia, e a fonte desta energia são as mitocôndrias. Logo, faz sentido pensar que a célula tumoral utilize mecanismos que possam preservá-las. Nesse contexto a mitocôndria e seu genoma tem um papel crucial”, disse Reis.
Segundo ele, alterações do genoma mitocondrial são comuns em muitos tipos de tumores e são descritas como reguladoras do metabolismo oxidativo com impacto direto na progressão tumoral.
“Foi demonstrado que a mitocôndria tem um papel importante na progressão de diversos tipos de tumores. No caso do tumor peniano, as alterações do genoma mitocondrial não haviam ainda sido descritas”, disse Reis.
Silva Junior destaca que os resultados do estudo demostraram um aumento da instabilidade do genoma mitocondrial no tecido tumoral. “Analisamos pela primeira vez o genoma mitocondrial no carcinoma peniano, com o objetivo de avaliar a heteroplasmia, a sua carga mutacional e o conteúdo de DNA mitocondrial em tumores penianos”, disse. Heteroplasmia é a presença de mais de um tipo de genoma mitocondrial em uma mesma célula.
Utilizando sequenciamento de nova geração, os pesquisadores analisaram o genoma mitocondrial de 13 tumores penianos (de 13 pacientes) e 12 amostras de tecido peniano saudável, o que permitiu identificar variantes de DNA mitocondrial e o grau de heteroplasmia.
O sequenciamento do genoma mitocondrial revelou a redução do número de cópias, juntamente com um aumento do número de variantes de DNA mitocondrial no tecido tumoral, confirmando o aumento da instabilidade do genoma mitocondrial nos tumores penianos.
“Descrevemos uma lista de variantes mitocondriais encontradas no tumor do pênis, incluindo cinco novas variantes encontradas especificamente no tecido tumoral. Avaliamos ainda a patogenicidade das variantes, ou seja, a capacidade das variantes em contribuir para a evolução da doença”, disse Reis.
“Também sugerimos que a redução do número de cópias e o aumento da instabilidade do genoma mitocondrial podem atuar em conjunto contribuindo para o desequilíbrio do metabolismo celular dos tumores penianos”, disse Silva Junior.
É a primeira vez que se estabelece um vínculo entre o câncer peniano e o genoma mitocondrial. O trabalho dos pesquisadores indica que a melhor compreensão da biologia mitocondrial pode, eventualmente, abrir um novo campo para a terapia no carcinoma peniano.
O artigo Mitochondrial genome analysis in penile carcinoma, de L.F. Araújo, A.T. Terra Jr., C.T.G. Sares, C.F.R. Sobreira, E.F.Faria, R.D. Machado, A.A. Rodrigues Jr., V.F. Muglia, W.A. Silva Jr. e R.B. Reis, pode ser lido no site da Springer Link.
Referência: Jornal da USP – Peter Moon/Agência Fapesp – Foto: Darryl Leja / NHGRI via Wikimedia Commons / CC BY 2.0