Há 10 anos, ele viaja de Natal (RN) para tratamento no HC, com otimismo que contagia! – História do Dia
– Dizem que eu sou o cara dos caras, o mestre dos mestres, o Léo dos Léos. Eu sou eu!
A frase que escolhe para abrir a entrevista já entrega: Léo não é um menino de baixa estima. Bem o contrário.
Está certo de que canta tão bem quanto Tiago Iorc e se diz pronto para compor com Nando Reis, dois de seus ídolos na música. Se jogasse futebol, tem certeza de que deixaria Neymar, Cristiano Ronaldo e Messi “no chinelo”, como diz. Na escola? É o menino mais querido.
– Como é que eu não teria esses títulos todos se meus amigos me amam? E seus pais também me amam! Eu é que fiz todos nós sermos amigos! Eles dizem: ‘Leo, tu é o cara!’.
Aos 17 anos, passou por 10 cirurgias, oito delas no cérebro, enfrentando um tumor complexo. Com ele, porém, não tem reclamação, papo de tristeza.
Escolheu levar a vida sorrindo. Digo “escolheu” porque é o verbo exato. Leitor assíduo, esbanja inteligência nos textos que recita de memória e nas frases que constrói. Como essa, que usa para explicar porque rir é melhor do que lamentar:
– O ser é um intelecto. A vida é bela. O que seu intelecto diz é o que você é.
O intelecto de Léo diz que ele é um menino guerreiro, inteligente, amado e outras muitas qualidades que dariam listas. Acreditando em tudo isso, ele enfrenta um quadro de saúde “muito complexo e único”, nas palavras do neurocirurgião Ricardo Santos de Oliveira, que cuida do caso no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Léo tem um tumor localizado no tronco cerebral, conforme explica o médico.
– Neste local, passam várias fibras conduzindo informações importantes e vitais de áreas do cérebro até a medula espinhal. Trata-se de um tumor benigno, contudo o local dificulta muito o tratamento.
Se alguém me contasse, talvez eu não acreditaria que o menino falante e esperto passou por todas essas cirurgias, ficou 17 dias em coma e fez a família perder as contas das vezes em que teve medo de perdê-lo.
Como sequelas do quadro, ele tem dificuldades motoras, visuais e na fala.
– Eu tenho uma memória de ouro, como dizem. O saber é que eleva. Vou ser um filósofo. E quero escrever um livro.
Para a complexidade que está além dos dados científicos, porém, a mente de Léo é maior do que qualquer limite.
O pai José Gomes da Silva diz que Leonardo Medeiros da Silva sempre foi esperto de chamar a atenção.
Foi uma amiga quem ensinou as primeiras letras e, antes dos três anos, ele já sabia ler algumas palavras, enchendo a casa de orgulho.
A família, então, não teve dificuldades para perceber quando, por volta dos seis anos, ele começou a ter dificuldades para andar, se equilibrar e se desenvolver.
Os médicos de Natal, onde Léo mora com os pais e as irmãs, fizeram o diagnóstico do tumor e realizaram a primeira cirurgia. Gomes conta que, sem estrutura médica, foi preciso correr atrás de recursos para o aluguel de equipamento no valor de R$ 10 mil, necessário para esse primeiro procedimento.
Os resultados, porém, não foram positivos. Os médicos de lá davam para Léo poucos anos de vida, mas a família não aceitou tal previsão. Conseguiram um encaminhamento e trouxeram o menino, aos sete anos, para o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
– Ele chegou bem debilitado.
O pai diz. Por aqui, Léo começou a ser oacompanhado e a melhora veio, aos poucos. O médico Ricardo explica que a primeira cirurgia pela qual Léo passou em Ribeirão foi em 2009 e, de lá para cá, muitos procedimentos foram realizados. Alguns, especificamente na contenção do tumor. Outros, para corrigir seus reflexos, como na visão.
Em uma das vindas, em 2015, ele teve uma hemorragia no interior do tumor e ficou 17 dias em coma. O médico relata:
– Isto levou a um quadro clínico muito grave, sendo necessária uma intervenção de emergência para evacuação do coágulo no tronco cerebral. Esta cirurgia salvou a sua vida.
O pai tentava manter a confiança:
– Sempre estive confiante, mesmo com essa eminente possibilidade de perder o Léo dentro de mim. E com o coração sabedor de que fiz o melhor. Não faltam esforços.
Ele é quem acompanha Léo na maior parte das viagens para Ribeirão, a pedido do filho, que explica:
– Ele vê tudo, aprende, me escuta, se lembra do que eu digo. É bom andar com o meu pai! Quando ele vai resolver as coisas, eu digo: ‘Painho, me leva com o senhor, senão eu vou andando atrás’. Os amigos dele até me amam!
A família consegue as passagens por um programa do governo e se hospeda no Gacc (Grupo de Apoio à Criança com Câncer), instituição filantrópica que fica no campus da USP. Há 10 anos acolhido por lá, Léo está em casa. É querido pelos voluntários.
Já chegaram a ficar três meses longe de casa. Gomes é sargento da Polícia Militar e divide o coração entre as estadias em Ribeirão e o lar em Natal, onde deixa esposa e a outra filha de oito anos. Mostra um vídeo da sua pequena no celular. Conta também que entrou na faculdade depois dos 50 anos, explicando as origens da força que mora no filho.
– A gente sempre acredita na cura. Tenho as melhores expectativas para o Léo. Quero que ele possa levar uma vida normal.
Prestes a se aposentar, pensa em morar em Ribeirão Preto com a família, para cessar as viagens e deixar o filho mais perto do atendimento que precisa.
Léo, porém, não gosta muito da ideia. E deixar os tantos amigos que ama e que lhe amam? A turma é grande!
Ricardo explica que, desde 2016, o tumor de Leonardo está bem controlado, porém continua lá. O controle precisa ser constante, porque há riscos de o tamanho aumentar.
– O local do tumor é muito complexo e impeditivo de uma retirada total.
O médico, assim como quem conhece Léo, comemora as conquistas dessa década de cuidados.
– Praticamente 10 anos depois de iniciado o tratamento temos a alegria de vê-lo em boas condições. É um caso único, complexo, mas a vontade do Leonardo é incrível. A nossa equipe sempre se surpreende com sua recuperação.
Os esforços são para que o jovem tenha, então, uma vida normal.
Léo diz que acorda tão cedo que os galos ainda estão dormindo.
– Eu sou o despertador do mundo!
Tem um motivo importante. Quando está na sua terra, em Natal, não gosta de perder aula e garante que é o “melhor aluno”. Acorda os pais, para que não haja atraso.
– Anote aí: neste 2019 eu vou passar do primeiro ano do ensino médio. E vou para o segundo ano, em 2020.
O passeio preferido é na praia. E a família não deixa faltar, como diz o pai.
– A areia ajuda no fortalecimento da parte motora, no equilíbrio e tranquiliza também, com a brisa do mar.
Em maio, Léo completa 17 anos. Está em contagem regressiva.
– Eu sou um pré-adulto!
Mais uma vez, arranca risos.
– Eu digo: o tempo passa. De toda forma, a gente algum dia vai ficar velho. Eu somente tomo consciência e fico contente com isso. Envelhecer é ser mais maduro, mais experiente.
Os planos? Fazem o pai arregalar os olhos.
– Eu tô pensando se aos 18 está bom para ter um apartamento no meu nome.
Os sonhos musicais – como Léo por inteiro – são audaciosos:
– Quero conhecer o Projota, trocar umas palavras com o Tiago Iorc e compor umas músicas com o Nando Reis. Em relação à profissão, vou ser um filósofo. Mas todos dizem: ‘Léo, tú tem a maior pinta de cantor’.
Neste ano, então, já combinou com o pai de entrar nas aulas de música. Quer aprender violão, guitarra, cavaquinho. Para que se limitar a um instrumento?
Léo sabe bem que, para o ser que acredita, não há limites.
– Quando ficam chorando do meu lado, eu fico rindo. E aí eu digo: porque chorar, senão sorrir? Como poucos eu não sou. Porque eu sou eu.
Recita um longo trecho que leu em um livro, por mais de dois minutos, de memória. “Sabedoria não é saber de algo. A elevação de si mesmo não está em se colocar acima de alguém como expressão de superioridade…”
Ensina sobre um tipo de força que só nasce de dentro. E só mora em que tem fé em si mesmo.
Referência: historiadodia.com.br