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Transtorno de conduta pode determinar comportamento futuro do adulto

Segundo a psiquiatra Gabriela Queiroz Pinheiro, o distúrbio envolve problemas no controle das emoções e do comportamento e pode afetar crianças e adolescentes, sobretudo do sexo masculino.

Infância e adolescência podem ser fases bem complicadas da vida humana. Nesse período, em que comportamento e neurodesenvolvimento não estão completos, os pais precisam observar o “transtorno de conduta”. A doença acomete de 2% a 10% da população, com prevalência do gênero masculino, e envolve problemas no controle das emoções e do comportamento. Violação de direitos do próximo, conflitos com normas e figuras de autoridade também estão entre os transtornos, gerando prejuízo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional do indivíduo.

A médica psiquiátrica Gabriela Queiroz Pinheiro, supervisora da residência de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP, explica que a doença pode gerar outro transtorno no futuro, o de personalidade antissocial, que só pode ser diagnosticado após os 18 anos de idade.

A personalidade antissocial, que existe entre 0,2% e 3% da população, também é mais frequente entre os homens, caracterizando-se como uma consequência do transtorno de conduta, já que “um dos critérios necessários para o diagnóstico é que o indivíduo apresente sintomas de transtorno de conduta, pelo menos desde os 15 anos de idade”, acrescenta a médica. Com essa personalidade, o indivíduo pode apresentar “falsidade, impulsividade, fracasso em fazer planos para o futuro, agressões, descaso pela segurança de si ou de outros, ausência de remorso e indiferença”.

O diagnóstico para os dois transtornos é feito a partir da observação dos sintomas após avaliação do médico psiquiatra, “profissional mais qualificado para realizar o diagnóstico diferencial e excluir outros transtornos que podem ter sintomas semelhantes”, informa Gabriela. Durante o diagnóstico, o profissional deve entrevistar familiares e amigos do paciente, além de outras fontes, como a escola ou o trabalho. “É fundamental que o avaliador leve em conta o contexto social e econômico dos indivíduos”, alerta a psiquiatra, afirmando que o diagnóstico da doença pode ser descartado, caso o comportamento seja “parte de uma sobrevivência do paciente”.

Como se trata de uma doença que começa na infância, o transtorno de conduta é percebido “pelo padrão de comportamento da criança”, comenta o psiquiatra William Aoqui, especialista em infância e adolescência, também do HCFMRP da USP. Esse padrão de comportamento, segundo o médico, se repete em atos que transgridem regras sociais e que, principalmente, ferem o direito dos outros. Aoqui alerta ainda para casos de crianças com “hábito de mentir, se opor e transgredir normas” e também com “uma rotina marcada por comportamentos desviantes”, pois mostram que elas estão “mais propensas a ter o transtorno de conduta”.

O desenvolvimento desses transtornos pode ser consequência de “fatores biológicos, psicológicos e sociais”, explica Gabriela. O indivíduo pode também apresentar predisposição genética a determinado transtorno, mas existem condições, “como a falta de afeto na infância, exposição a conflitos familiares e violência doméstica, maus-tratos e vizinhança de risco”, que podem contribuir para que o transtorno se manifeste.

O ambiente em que a criança cresce importa,  porque é onde estão os “modelos e referências para a construção da personalidade e do comportamento do jovem”, conta Aoqui, já que pessoas com transtorno de conduta têm em comum o cérebro marcado por “uma baixa conectividade entre as áreas responsáveis pela regulação da emoção e da razão”.

Apesar de ser uma condição complicada, o transtorno de conduta pode ser revertido ou amenizado, garante Gabriela. Para isso, é importante que a família e o paciente procurem ajuda psicológica o mais rápido possível e iniciem o tratamento, que consiste de terapias multissistêmicas, com treinamento de habilidades sociais e acadêmicas, desenvolvimento de pontos fortes do paciente, orientação parental, identificação e correção de fatores ambientais.

Além da importância do tratamento adequado, a  especialista alerta para os riscos de métodos agressivos. A violência contra esses jovens pode acarretar “redução do QI, problemas emocionais e desenvolvimento de outros transtornos mentais, além de agravar o comportamento violento do paciente”. Em alguns casos, o tratamento com medicamentos, para controle de impulsos e agressividade, pode ser indicado. Nos casos mais graves, em que “o indivíduo apresente risco iminente de agredir a si próprio ou a outros”, de acordo com Gabriela, a hospitalização pode ser recomendada.

Ouça no player abaixo a entrevista na íntegra dos médicos psiquiatras especialistas em crianças e adolescentes, Gabriela Queiroz Pinheiro e William Aoqui, do HCFMRP da USP, ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.

Referêncfia: Jornal da USP – Por: Roberto Siqueira – Foto:  Magg Burlet/Pixabay